Advogado / Escritor
Haja cultura!
A cultura, na vertente do saber, está intrinsecamente ligada à evolução do ser humano, enquanto pessoa e enquanto cidadão, tanto no plano individual, como no plano social, como atividade de assimilação de informação sistematizada e organizada, em diferentes ramos e áreas. Tal como todos os demais fenómenos da humanidade, a cultura tem que ser arrumada e distinguida, segundo conteúdos diferenciadores, metodologias de expressão próprias e campos de experimentação singulares, que se podem correlacionar em patamares comuns, e até complementares, mas sem nunca perderem a identidade fundamental que caracteriza cada zona do conhecimento.
Todas as sociedades modernas, humanistas, democráticas e desenvolvidas, devem empenhar-se na criação, preservação e desenvolvimento de mecanismos de evolução e estimulação cultural, nas suas várias vertentes, como única via ao verdadeiro desenvolvimento, coletivo e individual, pois é através da assimilação e desenvolvimento cultural, que cada pessoa e cada sociedade poderá projetar-se, com sucesso e distinção, entre todos os demais, não numa perspetiva competitiva, mas de complementar e construtivo enriquecimento pessoal. Tal processo, deve ser democratizado ao mais alto grau, facultando-se o acesso cultural a todos os sujeitos, independentemente da condição sócio económica de cada um, do sexo, da raça, da convicção religiosa, das opções políticas, pois, de outro modo, seria retrógrado e inadmissível setorizar o acesso cultural, conforme outros requisitos de diferenciação, que não o interesse fundamental em evoluir e em aprender.
Por sua vez, a dialética cultural radica-se muito na assimilação de factos e experiências, mas não necessariamente num plano estritamente empírico, pois seria absurdo pretender que, para almejarmos chegar a determinados resultados, todos tivéssemos de passar pelas mesmas situações e pelos mesmos fenómenos. Diferentemente, o que se pretende é estabelecer uma ligação entre vários testemunhos, numa linha universal de continuidade e num intercâmbio cultural generalizado, mas nem por isso menos rigoroso e profundo. Está em causa a possibilidade de se assimilar, ainda que não com o olhar próprio, o testemunho de quem lá esteve e assistiu diretamente aos factos. Daí a importância de se verter a escrito, as experiências culturais, por parte de quem as vivenciou diretamente. É que são tão vastas as áreas do saber que, seria absurdo e impossível, pretender estar em todas, de corpo inteiro e ao mesmo tempo. Daí então, a importância crucial do fomento das vias de transmissão cultural, entre as quais a leitura tem um papel insubstituível, pois através da mesma adquire-se a possibilidade extraordinária de se atravessar vários e diferentes universos, passando por locais onde nunca estivemos, e em situações cuja reprodução não está, e quiçá nunca estará, ao nosso alcance, mas cujo resultado nos é facultado por quem esteve presente, para que desfrutemos e tiremos o respetivo benefício e a utilidade necessária.
Precisamente por esta razão, para tentar contribuir positivamente para a discussão alargada que representa a cultura, nos meus escritos tenho a preocupação de dizer coisas que me parecem importantes, ou pelos menos interessantes, e dotadas de alguma utilidade para quem as lê.
Não quero dizer com isto que a boa regra será estar permanentemente a filosofar. Nem pouco mais ou menos. Isso provocaria uma “bebedeira intelectual” insuportável. O que me parece importante, mais do que tudo, é que possamos transmitir vivências e determinados pontos de vistas, para o confronto opinativo. Isto é, para que quem lê possa formar a sua própria opinião, ainda que eventualmente diferindo do posicionamento expresso pelos personagens.
“O Juiz”, o meu último livro, não foge à regra, pois retrata vários aspetos do ambiente vivido nos tribunais, entre os profissionais do foro, no ponto de vista dos magistrados e dos advogados. Também confronta a perspetiva da sociologia, com a do direito, enquanto ciências comportamentais humanas. Mostra a importância de perceber o quanto estamos, intrínseca e umbilicalmente, ligados às emoções, ainda que pretendamos não estar, se e quando é necessário ser isento e objetivo. Claro que tudo isto não é apresentado por mim, mas sim pelos personagens, que no romance encontram-se autonomizados do autor que, eventualmente, em alguns pontos de vista, até poderá estar em discordância com eles, o que não cabe aqui aprofundar ou sequer dissecar.
De relevar é o enorme poder da literatura, pois além de conseguir transfigurar a realidade, também pode desmultiplicar personalidades, perspetivas e universos, todas as vezes que o escritor quiser, com vista à transformação do mundo, para melhor.
Haja cultura.